Jorge Moreno

O texto abaixo, de autoria do Pe. Cláudio Bombieri, foi publicado, originalmente, em seu blog Cláudio Maranhão, sob o título: “TJ do Maranhão aposenta compulsoriamente o Juiz de Santa Quitéria. O caso Jorge Moreno: um modelo de justiça no banco dos réus.”


Chegou, finalmente, após três anos de espera carregada de angústia e ânsia o que já estava escrito: a sentença do TJ que condena o juiz Jorge Moreno à aposentadoria compulsória. Ainda faltam os votos de alguns desembargadores a serem manifestados, mas no dia 1 de abril, dia da mentira e aniversário da “revolução golpista militar de ‘64”, 13 dos 24 desembargadores (número legal para a condenação) aposentaram definitivamente um juiz incômodo de quarenta e poucos anos. Uma sentença que deve ser entendida e compreendida dentro da atual conjuntura social e política do Estado, e dentro de um conjunto de sinalizações e mudanças de ordem estrutural da Justiça no Estado.


Para quem não acompanha as vicissitudes do TJ do MA - resgatadas e expostas publicamente pela mídia nacional recentemente - tem dificuldade de compreender o alcance da sentença emitida no dia 1 de abril pelo ‘egrégio’ Tribunal de Justiça contra o juiz de direito Jorge Moreno. O TJ, com efeito, chega a emitir sua sentença contra o juiz Moreno justamente no ápice de uma extensa lista de denúncias contra ele próprio. Denúncias estas, que vão desde a venda de decisões e desvios de dinheiro público, a abusos de diárias indevidas a juízes e desembargadores, entre outras. Baste a recente publicação do relatório contendo o resultado da investigação do CNJ no TJ do Maranhão para colocar sob suspeição a mais alta magistratura do Estado. Uma lista de crimes e ilícitos que desabona e desmoraliza por completo o modus operandi da magistratura que, frequentemente, se arvora a modelo de imparcialidade e de conduta ilibada. No caso do julgamento do Moreno o TJ não fez questão de repassar uma outra imagem: a maioria dos integrantes do TJ fez jus à sua fama!


O interessante a ser observado é que estas denúncias são feitas de um lado pela OAB/MA e pela Associação dos Magistrados do Estado, e do outro por membros internos do próprio TJ, ou seja, por desembargadores. Numa análise superficial e imediata, parece ser uma guerra fratricida, intestina, entre setores da magistratura, advogados, procuradores e afins. Afinal, seria uma mera disputa por controle e poder interno. Algo autofágico, sem maiores vínculos com a sociedade como um todo ou, inclusive, à revelia dela. Ou seja, mecanismos de arranjos internos à magistratura que deixa de escanteio a própria sociedade, como se desta não proviesse o seu ‘poder’, como reza a Constituição Federal. Numa análise mais aprimorada e aprofundada, entretanto, pode-se vislumbrar com uma certa clareza que o TJ do Maranhão reproduz dentro dele, de forma nítida, as mesmas correlações de forças-interesses que se dão nas representações político-partidárias formais do Estado.


Em outras palavras, os desembargadores – escolhidos e nomeados pelos chefes do executivo estadual de turno, o que não confere nenhuma independência entre os 3 poderes – parecem ser o braço justiceiro legítimo das representações político-partidárias que disputam na arena social novas formas de controle, de poder e supremacia. Em que pese a reafirmação do princípio da imparcialidade, igualdade e impessoalidade do julgador, o TJ exerce simbólica e efetivamente um poder direcionado, pessoal, parcial, político e seletivo. Talvez, para alguns, isto não represente nenhuma novidade, e sim, algo óbvio. Se assim for, está aceita de forma natural uma tragédia social e ética, a saber, a consagração do princípio-prática de que não é o direito consolidado em lei ou o emergente – fruto das mudanças e exigências legítimas da sociedade - que garante a justiça ‘cega’, igual para todos, e impessoal’. Seriam, ao contrário, os interesses pessoais, de grupos e de facções da magistratura que têm a prerrogativa e o poder de fazer com que um dos dois pratos da ‘balança’ pese mais de um lado do que do outro.


O caso Jorge Moreno: um caso emblemático.


O caso Jorge Moreno se torna emblemático por três razões. A primeira razão advém do fato de que o juiz Moreno foi acusado por um deputado estadual, - um político que vive ‘da política’ e não ‘para a política’ - de ele ter ‘exercido política partidária’ na Comarca de Santa Quitéria, o que, naturalmente, está vigorosamente proibido a um magistrado de ilibada virtude. A denúncia em momento algum foi comprovada cabalmente. Não somente pelo fato de o juiz não possuir ficha partidária, mas também por inexistir qualquer referência direta ou indireta a partidos e/ou políticos. No entendimento de vários desembargadores, entretanto, o juiz Moreno teria, mesmo sem referências partidárias, extrapolado suas funções, indo além do ‘limite’ daquilo que poderia ser considerada uma ‘atividade complementar do juiz’, ou seja, o engajamento social. Naturalmente, não se fez nenhuma menção quais seriam esses ‘limites’ e para quem valem. Tudo depende do poder hermenêutico subjetivo do julgador, ou seja, os desembargadores!


A denúncia do deputado Max Barros, acolhida de imediato pelo TJ, mas mantendo o Juiz afastado por mais de 3 anos de suas funções, escancara a forma hipócrita o modo de proceder desse poder. Revela de um lado a sua ojeriza a engajamentos sociais ativos e ostensivos por parte de membros da magistratura e, do outro, denuncia o seu comportamento punitivo para com ‘aqueles pares’ que expõem publicamente as contradições existentes na corporação da magistratura. Além disso, antes mesmos da instauração formal do processo e da sentença definitiva, o juiz Moreno foi sumária e imediatamente afastado de suas funções, o que não ocorre, por exemplo, com os políticos partidários quando denunciados por ‘abuso econômico’! O TJ deixa a entender, indiretamente, que se o juiz tivesse agido com mais discrição, na surdina, sem estrelismos e sem expor publicamente as mazelas da magistratura podia ter sido perdoado. Todavia, isto revela a concepção majoritária, dentro do TJ, do papel de um juiz num determinado contexto social (Comarca).


Isto revela na prática que o que está em jogo são duas concepções de exercício da justiça: uma, supostamente cega e imparcial – o que de fato não existe – e, a outra, que enxerga as carências, as fragilidades as necessidades, os contextos dos atores sociais envolvidos. Ou seja, uma justiça que não ‘dá a cada um o seu’, mas uma justiça que dá mais a quem precisa mais. Uma justiça que procura repor o equilíbrio que foi rompido por abusos, negligências, desmandos praticados por determinados atores sociais em detrimento de outros. O Juiz, para os setores majoritários do TJ deixa de ser, portanto, um ‘agente social’, um cidadão que participa das contradições sociais no lugar onde vive e trabalha, e é confinado no Fórum, atrás de uma mesa, ou caminhando pelas ruas da sua comarca de ‘para-olhos’, nunca olhando de lado, com receio de sorrir e cumprimentar alguns e não todos! Segundo essa visão o juiz de verdade é um ‘agente estatal’, funcionário público a serviço da burocracia processual estatal e não da totalidade das necessidades de uma população.


Numa realidade como a de Santa Quitéria onde milhares de pessoas não possuíam registro civil, onde muitas comunidades não tinham energia elétrica, estradas e escolas, - direitos esses consagrados na Constituição Federal, - onde os prefeitos desviam impunemente dinheiro público, a atitude de um juiz, para alguns setores do TJ, deveria ser a de permanecer imóvel no ‘seu Fórum’, ‘cego’ e ignorando o que acontecia debaixo de seus olhos ‘vendados’. Ou, em caso de ‘exercício de atividade complementar’, ou seja, um engajamento social para melhorar as condições de vida de uma determinada população, deveria ser feito dentro de limites e posturas que não reproduzam os típicos comportamentos dos políticos profissionais. Esquece-se, porém, que os políticos profissionais, em sua maioria, agem corrompendo e fraudando, cooptando pessoas e desviando dinheiro público, atos que o juiz Moreno nunca reproduziu.


A segunda razão nos é ditada pelo número de desembargadores que votaram a favor ou contra o relatório lido no Plenário do TJ nos dias 18 de março e 1º de abril, e pela sua respectiva identidade. Observa-se que cada um dos dois blocos, os que votaram a favor e os que votaram contra o juiz possuem, substancialmente, afinidades de concepção e solidariedade grupal entre si. Os autos do processo, na realidade, se tornam um mero detalhe, um pretexto formal, uma ‘pirotecnia ‘jurídica’ para afirmar, na realidade, visões e interesses próprios ou grupais. Ou melhor dito, para mostrar simbolicamente supremacia política de um bloco sobre o outro bloco ‘adversário’. Não se quer com isso afirmar de forma categórica que o TJ do Maranhão manifesta estruturalmente duas tendências claras e distintas entre si. Com efeito, em que pesem os conflitos e as disputas internas evidentes, e a depender da aposta em jogo, sabe-se que no TJ, afinal, é sempre o ‘espírito de corpo’ que prevalece. O que queremos salientar é simplesmente o fato de que, no caso específico do juiz Moreno, as diferenciações de postura e visão, e as contradições internas do TJ, emergiram com maior nitidez.


Uma terceira razão que torna paradigmático o julgamento do juiz Moreno no TJ é o fato que o seu processo coincide temporal e simbolicamente’ com outro julgamento, o do governador Jackson Lago no TSE. Pode parecer mera coincidência, algo aleatório e não planejado, mas não deixa de possuir uma carga simbólica relevante. Enquanto que em São Luis a magistratura acolhia a denúncia de um político e julgava por ‘envolvimento na política partidária’ um de ‘seus pares’, em Brasília, a alta magistratura ‘eleitoral’, o TSE, julgava o chefe do executivo estadual maranhense pelo crime de ‘abuso político e captação ilícita de votos’! Ao passo que em Brasília o TSE condenava por esmagadora maioria o governador e lhe permitia de permanecer governando e torrando até o último dia as ‘reservas orçamentárias’ dos cofres públicos, em São Luis o TJ ‘apolítico e impessoal’ afastava de imediato de sua comarca e condenava o juiz Moreno a se retirar definitivamente da magistratura.


O juiz foi condenado por ‘excesso de participação política’ ao beneficiar populações da sua comarca, já o outro (governador) foi condenado por ‘abuso político’, por ter se beneficiado pessoal ou grupalmente de algo que devia ser de todos! Tudo isso não deixa de sinalizar de que a magistratura parece ter em qualquer circunstância, a última palavra. Ou, parafraseando os antigos romanos ”Tj locuta, causa finita!”, ou seja, “O TJ falou, tudo acabou”! Não é exagero afirmar que o TJ vem sinalizando algo que parece caracterizar a justiça no País como um todo, a saber, de que o Judiciário no País está adquirindo um poder desmedido, assumindo e abocanhando funções e prerrogativas próprias do legislativo.


A justiça, atualmente, parece se descolar definitivamente da sociedade, e do povo de quem provém a sua legitimidade e legalidade. O caso do julgamento do STF da terra indígenas Raposa Serra do Sol é uma clara prova disso!


Votaram pela aposentadoria do Juiz Jorge Moreno: Mário Lima Reis, Jaime Ferreira, Stélio Muniz, José Joaquim, Lourival Serejo, Anildes Cruz, Jamil Gedeon, Cleonice Freire, Cleones Cunha, Nelma Sarney, Maria dos Remédios Buna, José Bernardo Rodrigues e Raimundo Nonato de Souza. Pelo arquivamento votaram: Paulo Velten, Antônio Bayma, Raimunda Bezerra, Raimundo Melo e Benedito Belo. Alegou suspeição o juiz Jorge Rachid.




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